segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Credo para equipes de louvor

Hoje eu estava refletindo sobre a possibilidade de voltar a atuar em um grupo de louvor e adoração de uma igreja local, e os pensamentos e conceitos que tenho sobre o serviço musical no contexto congregacional, e que seriam relevantes, para mim, alinhar com o grupo antes de começar a atuar nele.

Isso ficou tão forte na minha cabeça que resolvi abstrair esses pensamentos e consolidar em uma espécie de "credo" pessoal referente à equipes de louvor. Espero que, compartilhando a minha visão, ajude a você formar a sua.


"Entendo que a adoração se dá quando temos a noção da grandeza de Deus (que excede nosso entendimento) e reconhecemos diante Dele que somos apenas meros pecadores, mas apesar disso disso, ele nos amou a ponto de se sacrificar no calvário para que pudessemos ter livre acesso a Ele. Diante disso, nós só podemos nos posicionar com toda o nosso entendimento, alma e espírito em gratidão e nos colocarmos à disposição desse Deus maravilhoso e amoroso, e fazer a Sua vontade em nossas vidas. Portanto, nossa adoração é formada pelo conjunto diário de atitudes que tomamos, ou seja, está mais ligada ao nosso estilo de vida do que ao momento de cânticos de domingo. A adoração congregacional é apenas um reflexo da nossa adoração pessoal e diária.

Entendo que o uso de músicas no culto congregacional é um serviço prestado à comunidade de fé. Isso se dá tanto na dimensão vertical da adoração, auxiliando as pessoas se posicionarem em louvor e gratidão à Deus através das letras e das músicas, quanto na dimensão horizontal, ensinando doutrinas e ajudando as pessoas memorizá-las, auxiliando na comunhão, na exortação, no consolo dos corações quebrados etc. Eu rejeito qualquer intenção de uso da música como uma forma de manipulação sentimentalista forçando uma falsa espiritualidade guiada apenas por emoções, mas sem entendimento do que está sendo cantado.

Sendo a música congregacional um serviço, entendo que a posição de qualquer membro da equipe de louvor deve ser a de servo, colocando as necessidades da comunidade de fé e de sua equipe à frente de suas próprias vontades, gostos e posições (desde que isso não contrarie o ensinamento e a teologia bíblica). Como servo, entendo que todos os membros de uma equipe de louvor devem trabalhar para o bem comum, ajudando em todas as tarefas, e investindo na vida das outras pessoas da equipe. Eu rejeito qualquer tentativa de exaltar, ou colocar os membros da equipe de louvor acima do resto da congregação, seja no título (levita) ou nas atitudes.

Entendo que as letras cantadas no contexto congregacional devem ser prioritariamente teocêntricas e refletir uma teologia saudável do ponto de vista bíblico, e da declaração de fé da comunidade local. Rejeito qualquer tentativa de colocar o homem e seus desejos e exigências à frente da vontade de Deus revelada em sua palavra. Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas.

Apesar da adoração não estar ligada à música em si, e sim ao coração de quem adora (em espírito e em verdade), entendo que em reposta a um Deus perfeito, o trabalho técnico/musical deve ser feito com a maior qualidade, excelência técnica e beleza estética possível. A capacidade intelectual e a criatividade foram dons de Deus dados aos homens para serem usados para o louvor de Sua glória. Menosprezar nossa capacidade técnica e criativa é menosprezar o trabalho que Deus delegou a nós.

Entendo que em Cristo, todas as coisas são reconciliadas com Deus. Isso significa que minha personalidade, minha cultura e meus gostos musicais são redimidos comigo. Portanto, entendo que não existe separação entre músicas, ritmos e instrumentos santos ou profanos. Todo tipo de música, ritmo e instrumento pode, e deve, ser usado para glorificar a Deus, independente de seu contexto de origem.

Entendo que, pela graça comum de Deus que se estende tanto para os que creem quanto para os que não creem no evangelho, mesmo um pecador não salvo pode produzir obras (artísticas) boas, com conteúdo espiritual relevante dentro de uma cosmovisão cristã e, portanto, podem ser apreciadas e até mesmo utilizadas dentro do contexto congregacional (com bom senso e maturidade). Ainda dentro desse contexto, entendo que a arte não precisa de justificativa, e toda e qualquer manifestação artística, em última estância, glorifica a Deus, pois só pôde ser feita por que Deus deu o dom da criatividade e da criação artística à humanidade. Desse modo, entendo que a manifestação artística, sem pretensão funcional ou congregacional, deve ser estimulada e apoiada dentro (e fora) da equipe de louvor.

Entendo que a manifestação de adoração através da música deve ser contextualizada à cultura e aos costumes da comunidade de fé local. Desse modo, a forma de expressão pode, e deve, mudar de acordo com as características da comunidade. Como brasileiro, entendo que minha adoração deve refletir e valorizar a cultura e a música brasileira. Eu rejeito qualquer forma de imposição de estilos ou filosofias de músicas de adoração estrangeiras que sejam colocadas como mais santas ou mais corretas que as manifestações brasileiras. A importação pode acontecer desde que seja feita de forma consciente e natural, incorporando-a à cultura local, mas nunca substituindo-a. Ainda dentro desse contexto, entendo que cada comunidade tem uma realidade e uma necessidade espiritual diferente. Desse modo, entendo que a composição de novas músicas dentro da comunidade local deve ser estimulada para atender a demanda espiritual específica dessa comunidade.

Entendo que o serviço dos músicos na comunidade local é um privilégio, que deve ser feito com amor e dedicação, visando o reino de Deus, e não como ganho. No entanto, havendo a possibilidade, sugiro fortemente que a liderança invista, inclusive financeiramente, na vida das pessoas que se dispõem a realizar esse trabalho, possibilitando dessa forma o seu crescimento e aperfeiçoamento como músicos e como cristãos. Sugiro que a comunidade considere manter pelo menos uma pessoa dedicada de forma integral , e portanto, paga, ao serviço musical, sendo essa pessoa responsável pela liderança, ensino e manutenção do grupo."


No amor de Cristo,

Renan Alencar de Carvalho

sábado, 11 de agosto de 2012

Eu Recomendo - Priscila Barreto

Sempre gostei de vocais femininos, especialmente na música brasileira, onde existem vários nomes representando nossa música, como Maria Rita, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Maria Gadu, entre tantas outras que cantam e encantam com muita brasilidade. Mas é bem verdade que no cenário da MPB cristã, os nomes femininos estão em menor número, o que, para mim, faz muita falta.

Por outro lado, apesar da falta de nomes, por vezes temos a grata surpresa de nos depararmos com trabalhos recheados de beleza, sensibilidade e muita qualidade. Assim foi com o CD "Madalenas" da Priscila Barreto, que comprei recentemente.

Dona de uma voz doce e expressiva, Priscila Barreto traz um repertório sensível e intimista com a proposta de expressar o coração feminino, que como diz uma das músicas "é singular, é diferente, é da mulher". Mensagem que é atingida tanto pelas belas letras e composições, quanto pela sonoridade dos arranjos, feitos por ninguém menos que João Alexandre.

Gravado ao vivo no estúdio "Na Cena", o disco é composto por 13 músicas de diversos compositores, inclusive com nomes de fora do "meio cristão", como o grande músico Guinga. Apesar de não possuir, oficialmente, uma música tema, talvez a música "Coração de Mulher", composição de Gerson Borges, seja a música que melhor sintetize esse trabalho.

Com certeza, o disco é uma bela obra que merece ser ouvida com calma e atenção. Assim como em um bom vinho, existem "sabores" que não são descobertos no primeiro gole, e que precisam de atenção para serem apreciados. Eu recomento!

Por hora, uma pequena degustação...






segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A arte sob controle de Deus.


Durante aproximadamente 2 anos, eu e um amigo organizamos e realizamos um evento bimestral de música instrumental na Igreja Batista do Marapé chamado "Marapé & Cia em Acordes", buscando incentivar a produção artística da igreja local e trazer para o contexto da igreja pessoas que normalmente não iriam há um "culto normal".

Infelizmente o evento acabou há um bom tempo, mas os jovens da Igreja Batista da Ponta da Praia retomaram a idéia e montaram no último fim de semana de julho o "Ponta da Praia & Cia em Acordes", retomando a proposta de mostrar a música instrumental cristã. Para esse evento, tive o privilégio de trazer uma mensagem sobre "A arte sob o controle de Deus".

Segue abaixo uma adaptação da mensagem que compartilhei no dia.


A música e a arte na igreja têm sido, historicamente, um assunto em que existe muita confusão e pré-conceitos. Especialmente nos dias de hoje, onde essa confusão é potencializada pela existência da mídia e da indústria fonográfica, que transformam a arte em um produto comercializado.

Além de confuso, a arte cristã têm sido irrelevante para a formação intelectual e cultural de nossa sociedade, devido à falta de profundidade e de qualidade de nossas produções, de forma geral.

No livro "Viciados em Mediocridade", de Frank Schaeffer, a introdução começa parafraseando P.G.Wodehouse dizendo:

"Sempre que cristãos, evangélicos em particular, tentaram alcançar o mundo por meio da mídia - TV, Filmes, Propagandas etc (arte) - o público que pensa tem a idéia de que, assim como a sopa de um restaurante ruim, o cérebro dos cristãos ficaria melhor se não fosse mexido."

Apesar de duro, essa é a percepção de boa parte das pessoas não cristãs têm sobre nossa produção artística.

Boa parte dessa confusão e falta de conteúdo que observamos na produção de arte cristã se dá ao fato que não evoluímos nosso entendimento bíblico no mesmo compasso que evoluímos nosso entendimento nas demais áreas de nossa vida, levando-nos a uma visão distorcida sobre diversos pontos de nossa vida e, consequentemente, sobre a arte de um ponto de vista espiritual.

Infelizmente, boa parte das pessoas na igreja de hoje faz separação no seu entendimento sobre as áreas da sua vida e de seu entendimento de mundo entre "coisas espirituais e coisas materiais". Muitos entendem que Deus se manifesta nos momentos e nos assuntos espirituais de nossa vida, como orar, ler bíblia, estar no culto aos domingos etc, e que os assuntos como a economia, política, o convívio em sociedade, e também a cultura e a arte não têm relação com princípios espirituais, e não são regidos pelo entendimento bíblico.

Essa separação é fundamentada pelo pensamento "acadêmico" pós-moderno de que o estudo de "humanas", como a arte, a economia e a política, são subprodutos do razão humana. Nós que criamos a arte, a economia, a política etc e, portanto, não existem princípios espirituais sobre elas.

Pensando desse modo, vivemos no mesmo universo que o ateu e que o incrédulo. Vivemos em um mundo desencantado, como disse o pai da sociologia Max Weber. Francis Shaeffer descreve esse mundo como um mundo opaco, vazio e sem sentido. O pensamento pós-moderno tira qualquer significado espiritual sobre o que acontece no mundo a nosso redor, e o cristão, nos cultos de domingos, dá um salto cruzando a "linha do desespero", e vive então um momento transcendental de espiritualidade e de sentimentalismo, e após o culto volta para a realidade, que é vazia de significado espiritual,  seguindo a semana lidando com as áreas de sua vida "do mundo".

No entanto, esse entendimento não é o entendimento que a bíblia nos revela. A bíblia não faz separação entre áreas santas e profanas, e isso inclui a arte. Aliás, Passeando pelos textos bíblicos, descobrimos que Deus tem um interesse especial pela arte. Podemos ver isso desde a observação da natureza, até à construção do templo de Salomão, construído por instrução divina. Recomendo a leitura do livro "A Arte e a Bíblia", de Francis Scheaffer, para se aprofundar nesse assunto.

Um ponto central para entendermos a nossa arte e a nossa cultura sob o controle de Deus, é que elas foram redimidas juntamente com nossa vida em Cristo Jesus. Cristo é o centro de convergência de todas as áreas de nossa vida.

Observemos o texto de Colossenses, capítulo 1, versos 19 e 20:

"Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude,  (v.19)
e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz. (v.20)"

Gostaria de destacar duas palavras chaves nesse texto:

reconsiliasse: ἀποκαταλλάσσω (apokatallassō) - Totalmente Reconciliado
todas: πᾶς (pas) - tudo, inteiro, completo

Ou a salvação em Cristo Jesus é completa, ou não vale nada, ou Cristo nos salvou por inteiro, ou não salvou. Isso significa que quem eu sou, minha personalidade e minha cultura foram salvas comigo, e devem agora, a partir d'Ele, glorificá-lo. Não existem atividades mais ou menos santas, momentos mais ou menos espirituais, Todas as áreas de nossas vidas devem ser regidas por princípios espirituais e glorifica-lo. "Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém." (Romanos 11:36).

Isso quer dizer que para quem foi reconciliado com Deus por meio de Cristo Jesus não existe música cristã, ou música não cristã, arte santa, ou arte profona. Precisamos nos libertar da religiosidade ritualística, que prega apenas o "pode/não pode", o "politicamente correto" de um molde de "crente perfeito", que quer demonstrar santidade no exterior, mas tem o coração longe dos valores divinos. Devemos nos centrar nos valores divinos que devem reger nossa vida, e por consequência, nossa arte.

Portanto, uma arte que está "sob controle de Deus" não é aquela que apenas se comunica verticalmente com Deus, mas àquela que fala à partir de Deus sobre todas as coisas. A partir do momento que meu entendimento sobre o mundo é redimido em Cristo Jesus, eu preciso olhar para o mundo e enxergar que o mesmo Deus revelado na bíblia se revela nas coisas mais comuns e ordinárias de nossa vida, e fazer com que as demais pessoas consigam enxergar isso. 

Cristo fez isso. ("olhai os lírios dos campos...", "olhai as aves do céu..."). A glória e a graça de Deus já estavam reveladas no mundo antes da obra justificatória de Cristo, mas o homem, por seu pecado, teve sua visão "escurecida" e não enxergou isso.

"Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite.
Não há linguagem nem fala onde não se ouça a sua voz.
A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até ao fim do mundo. " (Salmos 19:1-4)

"Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;
Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu." (Romanos 1:19-21)

Nós, artistas, precisamos ensinar às pessoas a enxergarem Deus nos pontos mais comuns de nosso cotidiano, e mostrar os princípios divinos por traz de cada ponto de nossa vida. Precisamos cantar e tocar sobre a natureza, sobre a política, sobre a economia, sobre a ciência, sobre os relacionamentos, sobre a sociedade, enfim, sobre todas as coisas, mostrando a verdade bíblica que rege esses pontos. Não é preciso cantar  "Jesus, Cruz e Luz" para fazer uma música cristã, mas demonstrar que "beleza, bondade e verdade" caminham juntos, e que existe verdade no que representamos com beleza.

No campo da música cantada, existem pessoas que estão fazendo isso, como Gladir Cabral, Tiago Vianna, Crombie, Arlindo Lima, Jorge Camargo (no CD "Tudo que é bonito de se viver") etc, mas precisamos de mais pessoas em todos os campos da arte. No caso da música instrumental, J.S.Bach disse que "É na combinação de unidade-diversidade, e no enriquecimento dessa combinação que você responde à ordem do mundo". Talvez essa seja uma dica de um caminho para expressar nossa cosmovisão cristã através da música instrumental.

Para concluir, gostaria de reforçar a ideia que a nossa arte não precisa ser expressamente funcional e eclesiástica, mas se ela está sob o controle de Deus, ela precisa refletir os valores de Cristo, e fazer com que as pessoas enxerguem esses valores nas coisas mais comuns de sua vida.

Fontes e recomendações de leitura:

Livros

- "A Arte Não Precisa de Justuficativa" (H. R. Rookmaaker) - Editora Ultimato
- "A Arte E A Bíblia" (Francis Sheaffer) - Editora Ultimato
- "Viciados Em Mediocridade" (Frank Scheaffer) - Editora W4
- "Cristianismo Criativo?" (Steve Turner) - Editora W4
- "Vida e Música" (Org. por Thatiane Pellissier) - Editora Descoberta

Vídeos:

"Por que valorizar o Musico Cristão Brasileiro de Qualidade? por Guilherme de Carvalho - parte 1"
http://www.youtube.com/watch?v=bL6lal02-rE&feature=plcp

"Por que valorizar o Musico Cristão Brasileiro de Qualidade? por Guilherme de Carvalho - parte 2"
http://www.youtube.com/watch?v=Snu_JLYiiLM&feature=plcp

"A Música Cristã Em Um Mundo Desencantado" (Guilherme de Carvalho) - gravado em DVD no "Nossa Música Brasileira" em 2011.