domingo, 29 de abril de 2012

Por que estamos onde estamos?

É notável a mediocridade em que se encontra a música de hoje. O que prevalece nos meios de comunicação, o que está na "boca do povo", é a estética do mau-gosto, da falta de reflexão, da alienação, e por que não dizer, da depravação.
Não quero parecer  arrogante ou saudosista de tempos passados, mas estou apenas olhando com uma visão histórica. A música, assim como a arte em geral, veio em uma clara evolução a partir da renascença (séc. XVI), até o fim do séc XIX e início do séc XX, com o fim do romantismo e início do movimento modernista. Depois disso essa evolução musical parece ter freado e se confinado a movimentos pontuais.
Claro que coisas boas foram produzidas no século XX, temos o jazz, o fusion, algumas vertentes do rock como o progressivo e o neo-clássico, no Brasil a bossa-nova e a MPB, entre outros movimentos, ainda experimentaram novos caminhos na música, no entanto, cada vez mais a música tem sem empobrecido e confinada aos moldes pré-formatados, ao mais do mesmo, à falta de criatividade, e à apelação sexual e afirmação social para ter sucesso (vou evitar os exemplos, mas é só ligar o rádio e refletir um pouco sobre as músicas tocadas para entender do que estou falando).
Bom, não sou historiador, nem fiz um estudo acadêmico sobre esse tema (fora as aulas de história da música no conservatório), mas uma pergunta sempre me incomoda quando olho o cenário da música moderna: "Por que?" O que aconteceu na história que fez séculos de desenvolvimento musical regredirem?
Não quero ser simplista, existem vários fatores envolvidos nessa análise, como por exemplo as duas grandes guerras, crises financeiras globais, mudanças profundas na sociedade, entre outros, mas no que se refere à música, algo aconteceu e que julgo ter uma grande relevância, sendo um divisor de águas: a gravação. Isso mesmo, a tecnologia capaz de armazenar sons em um material físico e depois reproduzi-los. Essa tecnologia que começou de forma rudimentar com as primeiras caixas de música, que ganhou força industrial com os discos de vinil e hoje faz parte integral de nossa rotina com a digitalização e distribuição on-line.
A princípio parece estranho ligar essa inovação tecnológica à decadência da música, afinal, ela facilita o acesso à música de qualidade, mas refletindo um pouco mais, me parece que não. Deixe-me explicar em 3 pontos do porque faço essa associação:

1. A música sempre fez parte do convívio social do homem, sendo peça fundamental de eventos sociais. Antes da invenção do fonograma, para se ter música em um evento, era preciso contratar músicos, ou contar com amigos e familiares dotados de estudo para tocar e cantar. Isso significa que existia um mercado  "garantido" para as pessoas que quisessem seguir uma carreira musical. Com o advento da gravação, esse mercado de trabalho sofreu um sério dano, ao ponto que hoje musicista quase não é tratada como uma profissão séria. Apesar de não ser o fator principal, creio que essa desvalorização do profissional da música (que possui conhecimento e preparo para tocar músicas mais complexas) teve um efeito negativo sobre a continuidade do desenvolvimento da música.
É verdade que a gravação abriu novos ramos de trabalho, como o músico de estúdio, mas esses ramos permaneceram extremamente fechados a poucos círculos de artistas, só sendo abertos recentemente com o barateamento dos equipamentos de gravação e com o advento da internet (falarei mais para frente).

2. No convívio doméstico, as pessoas normalmente estudavam música para tocar em casa para recreação da família no lar (normalmente as mulheres eram incentivadas a estudar piano). Além do amor e relacionamento com a música, quando se estuda música, é natural que se apure a percepção e o bom gosto pela boa música. Começamos a perceber nuances que passam despercebidos do ouvinte despreparado. Com a terceirização da música doméstica para as gravações, começou-se a formar um público menos exigente e seletivo, além da distanciação da relação e amor entre as pessoas e a música.

3. Os dois primeiros pontos apresentados acima são um tanto quanto secundários e subjetivos, no entanto, o efeito mais destrutivo que vejo que foi criado com o fonograma foi a possibilidade de empacotar e vender a música de forma industrial. A até então, a música era uma forma de arte, era um momento de reflexão, de comunhão (quem já cantou em coral ou tocou em grupos grandes sabe do que estou falando), de apreciação... o ato de "fazer música", seja compondo, tocando ou cantando, era tangido por valores subjetivos, de apreciação artística e intelectual. Com a gravação, a música deixou de ser arte e virou um produto, algo disponível nas prateleiras para uma sociedade consumidora norteada pelo impulso capitalista de consumismo. O grande problema disso é que, como todo produto, a preocupação de quem estava produzindo e financiando a música foi deixando de ser a qualidade musical e passou a ser o lucro proporcionado por ela. Com isso descobriu-se o poder comercial da música medíocre, da massificação de pensamento, da criação de moldes e formatos que devem ou não ser aceitos por cada ramo da sociedade e qualquer movimento que pense diferente passou a ser combatido e marginalizado pelo interesse das grandes gravadoras. Quer uma prova disso? Por que será que a música aceita pelos adolescentes de classe A e B normalmente são o Pop e o Rock norte-americanos, e os ritmos regionais são tidos como bregas?! Quem construiu esse pensamento na cabeça deles?! Outra prova é que a maioria das bandas novas que se formam tem na cabeça o desejo de gravar um CD e virar "a melhor banda de todos os tempos da última semana" (como já cantavam os Titãs), ou seja, entrar nessa máquina comercial. Raramente encontramos grupos que querem fazer música pela música, compromissados com a qualidade do que está sendo feito e não com a vendabilidade do que estão tocando.

Cenários futuros:

Mas nem tudo está perdido! Do mesmo jeito que essa mediocrização da música teve um start por mudanças tecnológicas, a tecnologia está proporcionando o caminho reverso. Com o barateamento das tecnologias de gravação, e a proliferação dos home-studios e os estúdios de gravação menores, a produção musical deixou de estar centralizada nas grandes gravadoras, possibilitando o aparecimento de muitos artistas que estão na contra-mão dessa mediocrização. Além disso a internet e portais como o Youtube e o MySpace, possibilitaram meios para divulgar essa música produzida de forma independente. Claro que muito lixo continua sendo feito, mas na minha percepção, as pessoas que estão buscando os artistas que trilham este caminho paralelo de produção musical tem se tornado cada vez mais seletivas, buscado coisas novas de qualidade. Isso tem sido um terreno extremamente fértil, muita coisa boa tem sido produzida.
A música de massa continuará existindo, mas hoje, com a produção independente, é possível ter acesso e escolher "consumir" músicas de melhor qualidade.

Para finalizar, gostaria de deixar 3 conselhos:
- Estude música.
- Fuja do que é vendido pelas grandes gravadoras e grandes meios de comunicação.
- Não tenha medo de inovar e buscar o que você gosta, independente de ser o socialmente aceito ou não.

abraços,

Renan Alencar de Carvalho


* Foto retirada do site http://mundo47.wordpress.com/2007/10/19/governo-quer-salvar-unica-fabrica-de-vinil-do-pais/

9 comentários:

  1. Olá pessoal,

    Bem, algumas pessoas conversaram comigo sobre esse texto discordando dele. Bom, confirme coloquei no texto, não fiz um estudo aprofundado sobre o tema, apenas deixei a minha impressão (que pode estar errada). Então, por favor, deixem seus comentários, assim podemos debater e aprender com as percepções de cada um!

    Abraços a todos

    ResponderExcluir
  2. Esse comentário foi enviado por uma amigo via facebook. Vale parar para ler:


    Fala, Renan! Tudo na paz?
    Cara, eu gosto de você, curto as coisas que você escreve e a bagagem que você tem. E por acreditar que você sabe disso (rsrs) queria fazer algumas intervenções e apontamentos no seu texto, pedindo que você não se ofenda comigo. Como você bem provocou, o lance é a reflexão!

    Concordo com a mediocridade da música atual, ponto. Contudo eu acho que o discurso que você adota no texto – que é usado por muita gente e tem bases na Teoria Cultural Crítica (Horkheimer e Adorno, que até o Diego Venâncio citou num Papo e Arte) – desconsidera algumas variáveis e peculiaridades que precisamos amadurecer para não soarmos fundamentalistas, sem percebermos.

    Concordo que a possibilidade de gravação permitiu a prática mercadológica que há algumas décadas não se comporta de maneira “mecênica”. Por outro lado, a não popularização de um conhecimento ou tecnologia é uma boa definição para exclusão social. Vou apontar seus pontos e colocar meu ponto de vista – que você está livre prá discordar:

    (continua)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. No ponto 1 – acho que o aspecto social da música mudou, mas não decresceu em virtude da gravação. Pelo contrário. Penso que os músicos nunca foram valorizados até a idade contemporânea (ou pós-moderna) com exceção dos músicos renascentistas que prestavam seu serviço à corte, o que faz um paralelo mais ou menos similar ao do mercado de estúdios e bares que valorizam música ao vivo e aos dos ministros de música eclesiásticos. Porém antigamente era mais restrito tanto pela questão econômico-social quanto pela própria demanda natural.
      Só para pontuar, acho que o cerne do problema nesse ponto é a relação trabalho/tempo. Por mais que um monte de gente diga que a virtualização das relações tem enclausurado as pessoas, essa é uma verdade relativa. Se fosse exatamente assim, os shoppings não estariam se expandindo, nem as salas de cinema crescendo, nem os novos condomínios sendo construídos com garage bands para os moradores e nem os espaços para música ao vivo estarem renascendo. Acho até que tivemos uma retração da 2ª metade dos anos 80s até o início do novo século, todavia acho que felizmente isso está voltando a melhorar. Timidamente, mas está melhorando. Exemplo: sabemos de alguns novos bons espaços de música ao vivo criados em Sampa nos últimos 5 anos.

      (continua)

      Excluir
    2. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    3. No ponto 2 – até onde sei , me parece que o incentivo ao estudo musical de forma mais disseminada (principalmente feminino) se dá depois do pós-guerra. Só a elite estudava música, pois podia pagar professores e ainda assim com restrições. Na música popular era pior. Ouvi uma entrevista antiga com o Ernesto Nazareth reclamando que os músicos da velha guarda do choro só tocavam de ouvido enquanto os jovens estavam avançando rápido, compondo melhor e lendo cifras - nem era partitura!
      A criança que estudava clássico, sim, fazia os “recitais” que na verdade e na maioria das vezes eram pros pais da criança mostrarem pro seu círculo de amizade que eles podiam custear aulas de piano e que eles eram melhores pais pois, além das atividades normais, incentivavam o desenvolvimento de algo artístico. Que criança gostava de ser chamada prá tocar pro amigo do papai e da mamãe?!? (todos os meus amigos que passaram por isso odiavam essa situação) Apreciação musical mesmo era nos saraus e recitais de conservatório, também fechados à elite intelectual. Por fim, se fosse algo realmente valorizado, músicos não seriam conhecidos por boêmios e vagabundos – alcunha que vem dessa época.
      Aí alguém pode dizer: “mas os conservatórios de música acabaram”. Sim, faliram com raras exceções. Faliram porque elitizavam o conhecimento e cobravam caro. Aí, com a tecnologia e com a difusão da informação, o bom professor não precisava mais da escola pois sabia como chegar ao aluno e tinha novos canais para adquirir conhecimento e crescer profissionalmente. Aí os donos do conservatório teimaram em manter o mesmo esquema de ensino com professores mais fracos que usavam a escola como trampolim e isso foi rodando até chegar uma hora que esse espaço perdeu a relevância de 40 anos atrás.

      (continua)

      Excluir
    4. Ponto 3 – aqui eu tendo a concordar parcialmente contigo, porém achando que as consequências foram igualmente positivas e negativas. O Adorno tinha um discípulo mais antenado chamado Walter Benjamin. O Benjamin dizia que o exercício artístico trazia consigo uma “aura” que, de forma simplista, é o espírito de se usufruir de um momento único de arte. O ato de “fazer música” proporciona uma aura que não pode ser compartilhada, assim como a pessoa que vai ao Louvre ver o original da Mona Lisa ou se dispõe a estar num teatro; só quem esteve lá pode compartilhar o espírito original do produtor da arte.
      Aí, uns colegas dele, estimulados pelo próprio Adorno começaram a defender que a televisão (principalmente a gravação de programas) assim como a reprodução de obras de arte (não só musicais) matavam a aura, proporcionando experiências fakes e vazias de significado, pois a aura original do momento ficou restrita ao momento e isso nunca seria compartilhado.
      O Benja teve a coragem de dizer que não era bem assim. Ele não desconsiderou o fato de ser único ver um concerto ao vivo ou apreciar um original do Rembrandt, mas considerou que a reprodução democratiza a arte e ensina a eruditos e leigos. E isso nunca aconteceria sem a reprodução.
      Também precisamos ser justos com as gravadoras. Houve um tempo (justamente até a década de 80) que muitas gravadoras tinham diretores artísticos e de marketing que sabiam de música. Prá dar um exemplo: os discos do Tim Maia tinham uma produção fantástica e nem todos vendiam bem. Outros artistas gastavam tempo no estúdio e as gravadoras davam o que tinham de melhor, acreditando no potencial do artista. Mas aí a tecnologia de reprodução foi se difundindo, os CDs chegaram, queriam fazer rendimentos astronômicos em curto espaço de tempo e, aí sim, a porcaria do dinheiro estragou algo que tinha algum valor.
      E prá piorar veio a internet. Ela não foi tão boa assim como você disse. Ela difundiu informação de forma que eu e você temos nossos MySpace, podemos baixar videoaulas, aprender a tocar uma música com o próprio compositor e visitar museus do mundo inteiro sem sair de casa. Mas aí aparecem uns Michels Telós e Manus Gavassis por aí que alcançam um milhão de acessos num mês no YT e algum Rick Bonadio da vida vê e diz: “farei dinheiro com essa ameba!” A culpa é do Rick ou é da audiência? Por outro lado, temos o Papo e Arte, o Plataforma, a transmissão dos programas do Redenção, impossíveis num breve passado.
      Na boa, já pensei como você, mas acho que é menos errado afirmar que a democratização empobrece e enriquece na mesma medida e que o papel da gente que vê a balança pender pro lado de lá é trazer as pessoas do nosso lado. Ao invés de nos segregarmos.
      E aí fica minha crítica ao pessoal que gostamos tanto e que, talvez, daqui a uma década, seja reconhecido como a “Nova MPB Cristã”. Acho que a gente, por querer defender o que acreditamos (e que é muito certo!), sem querer fechamos alguns diálogos e soamos antipáticos. Não que o Diego, o João ou o Stênio sejam assim, sei que não são mesmo. Mas por algumas vezes fica parecendo isso prá quem está de fora, dado algumas alfinetadas sem amor que de vez em quando damos. Eu de vez em quando faço isso.
      Prá não ser só otimista, eu vejo hoje um grande prejuízo que é fruto da livre reprodução. O músico de hoje não valoriza o conhecimento como valorizava há 20, 30 anos. As coisas ficaram tão fáceis que conseguimos baixar todas as videoaulas e apostilas do Frank Gambale e mal tocamos uma música dele. Temos todos os discos do Steve Morse, mas não paramos uma hora por dia para ouvir esses discos dedicando 100% de atenção. A informação deixou de ser preciosa. Esse talvez seja o único efeito nefasto de toda essa abertura.
      Taí minha contribuição. Aguardo sua tréplica. Abraço!

      Excluir
    5. Comentários enviados por Victor Machado.

      Excluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Sobre essa discussão, existe um ponto que tem chamado minha atenção, que não coloquei no post por não ser um argumento possível de se utilizar em um "debate sério". E é justamente por isso que chama minha atenção, por conseguir passar despercebido, e estar fora do campo da razão e da consciência, é mais facilmente assimilado.
    É um fato que a mídia (e agora me refiro não somente à música) é uma das maiores forças da nossa sociedade atual. Quem domina a mídia, consegue formar e manipular a opinião pública, e controlar a massa do povo. Não é por menos que a Oprah Winfrey era considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo. E os poderosos sabem muito bem desse poder da mídia. Um exemplo disso é que todo regime ditatorial proíbe em seu regime a imprensa livre. E a industria fonográfica entra nesse ponto de veículo de dominação e formação de opinião.
    Sabendo disso, e olhando para as produções fonográficas de hoje (especialmente as norte-americanas), eu creio que existe uma realidade mais sombria por trás dessa realidade de mediocridade. Sinceramente, eu creio que existam poderosos por trás das grandes gravadoras que estão preocupados em promover certas "agendas" de informação, "verdades" e valores para as massas. Nesse ponto, a música produzida em si não é o ponto relevante (muito menos a sua qualidade), e sim a filosofia e a mensagem que ela divulga. E muitas vezes, a própria mediocridade faz parte dessa filosofia de controle e manipulação, levando à falta de reflexão.
    A música tem um poder enorme de influência. Desde a década de 60/70 e o movimento da contra-cultura, especialmente entre os jovens, o "artista" ultrapassa a dimensão de interprete/compositor, e vira uma espécie de guru. Não se trata apenas da música, mas da imagem e da filosofia de vida que esses artistas vendem para os seus fãs.
    Eu sei que essa discussão tende mais para o lado da "moral" e dos valores do que para o lado da qualidade artística, mas hoje não vejo como desvincular os dois lados. Para a mensagem ser mais efetiva, ela precisa ter o veículo certo. Soa ridículo pensar em criar uma música erudita para veicular uma mensagem de "sexo e pegação" nos dias de hoje.
    A grande pergunta é "Quem lucra com isso?". Por trás dos hits da moda que promovem a "pegação", o sexo, poder, dinheiro e valores fúteis, existem uma série de indústrias que lucram com isso: baladas, carros, bebidas, cigarros, drogas, sexo, moda etc.
    Agora a boa música, a arte (em seu conceito mais puro) e a erudição (no sentido de produzir algo que tenha valor intelectual agregado) consegue vender esse ideais da mesma forma? Quais as indústrias que se beneficiam da boa música que justifique bancar essa produção?
    Em nosso mundo capitalista, o que não gera um bom lucro é cortado e jogado fora, assim como aconteceu com o investimento em cultura, an boa arte, e por consequência, na boa música.

    ResponderExcluir